Artigo de Flávio de Azambuja Berti [1] Poucas leis no Brasil sofreram tantas críticas quanto a lei federal 8.666/93 instituidora do estatuto das licitações e contratos administrativos.
Tanto isto é verdade que desde seu surgimento houve repetidas demandas para que a mesma fosse substituída por uma nova lei, sem que se sopesassem duas questões importantes: a) a dificuldade e a complexidade de normatizar de modo racional o processo de compras públicas com garantia à economicidade, racionalidade, moralidade e probidade coibindo-se a prática de conluios e fraudes; b) as inúmeras alterações do texto original da lei 8.666/93 que implicaram em distorcer por completo seu escopo inicial, a ponto de os casos de dispensa de licitação, os quais deveriam ser exceções, terem assumido quase a posição de regra, dada a numerosidade de suas hipóteses que se multiplicaram ao longo dos anos.
Isto considerado, era opinião comum a necessidade de uma nova lei geral sobre licitações, o que se deu com a recente publicação da lei federal 14.133/21.
Nesta fase inicial de vigência do novo texto legal, cumpre sejam não apenas conhecidas, senão também compreendidas as inovações a propósito do assunto.
Claro que não é possível esgotar o tema num incipiente artigo como este, cuja pretensão é focar em alguns pontos de comparação entre a lei revogada e a recentemente promulgada, como por exemplo o fato do novo estatuto das licitações expressamente excluir de sua incidência as contratações feitas por empresas estatais, diferentemente do que ocorria com a lei anterior, o que representa um avanço dada a maior agilidade exigida de sociedades de economia mista e empresas públicas que atuam no domínio econômico.
Outra novidade é a figura do “agente de contratação”, substituto da comissão de licitação que era a regra no estatuto legal anterior.
O tal agente sem dúvida parece ter sido baseado na figura do “pregoeiro” que já existia na modalidade “pregão”, ainda que a nova lei preveja a atuação de equipe de apoio ao mesmo sempre que isto se afigure necessário.
Um aspecto inovador da lei 14.133/21 é a definição expressa das fases da licitação, o que não ocorria no modelo legal anterior.
Agora a evolução do procedimento respeita ao seguinte rito na concorrência e no pregão: 1ª) fase preparatória; 2ª) divulgação do edital de licitação; 3ª) apresentação das propostas ou lances; 4ª) julgamento; 5ª) habilitação (sempre a posteriori seguindo a lógica do pregão que adveio com a lei 10.520/02, a menos que haja ato fundamentado em sentido contrário, como por exemplo o que era admitido no RDC conforme a lei 12.462/11); 6ª) fase recursal; 7ª) homologação.
Chama a atenção, especialmente sob a ótica do controle externo, uma disposição criticável da nova lei 14.133/21 que permite o sigilo do orçamento estimado da licitação, o qual constituía-se em parte integrante do edital na modelagem jurídica da lei 8.666/93 e que, ainda assim, não impedia os sucessivos e repetidos termos aditivos depois do início de execução dos contratos, no mais das vezes instrumentos integrantes do pacote de fraudes e conchavos acordados quando da apresentação inicial das propostas e julgamento.
Agora com o sigilo do orçamento estimado há o risco de que tais acordos pouco republicanos e contrários ao interesse público não apenas persistam senão também multipliquem-se ainda mais, se é que isto é possível.
Outros pontos ainda demandam mais análise e somente a aplicação da lei nos próximos meses permitirá uma conclusão a respeito de seu caráter benéfico ou não, como por exemplo a extinção das modalidades “tomada de preços” e “convite”, além do fim do RDC, tendo sido criada uma nova modalidade chamada de “diálogo competitivo” previsto que está no artigo 6º, XLII da nova lei, através do que a Administração contratante estabelece canais de comunicação com licitantes fornecedores previamente selecionados mediante critérios objetivos com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender a suas necessidades, devendo tais licitantes apresentarem proposta final após finalizados os diálogos.
Observe-se que segundo a lei 14.133/21 a escolha de qual modalidade deva ser utilizada toma como referência o objeto da contratação e não mais o valor como ocorria nos termos fixados pela lei 8.666/93.
A respeito do mesmo assunto, o leilão que até então consistia em modalidade facultativa para a compra de bens e serviços comuns passa agora a ser obrigatória, salvo para os chamados serviços comuns de engenharia.
Em resumo, há verdadeiramente um estatuto novo para as licitações e contratos administrativos a exigir análise mais cuidadosa sob o viés crítico, o que demanda dos operadores jurídicos um grande esforço hermenêutico à luz da sua aplicação prática a partir da utilização dos novos parâmetros legais, especialmente dos órgãos de controle interno e externo.
Embora haja avanços no novo texto legal ainda há nuvens escuras sobre dezenas de dispositivos trazidos pela lei 14.133/21 o que impõe muitos debates, muitas discussões e muita reflexão, em especial do sistema de controle externo da Administração Pública, integrado que é pelos Tribunais de Contas, Ministério Público de Contas e entidades da sociedade civil como os observatórios sociais.
Autor: Flávio de Azambuja Berti - Procurador do MPC/PR, Mestre em Direito pela UFSC, Doutor em Direito do Estado pela UFPR.
[1] Procurador do MPC/PR, Mestre em Direito pela UFSC, Doutor em Direito do Estado pela UFPR.