A Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e a Associação CONTAS ABERTAS vêm a público prestar os seguintes esclarecimentos quanto à Representação formulada ao Procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), em relação à celebração de acordos de leniências no âmbito da "Operação Lavajato": 1.
As entidades esclarecem à sociedade brasileira que não são movidas por simpatia ou antipatia às leis aprovadas pelo Congresso Nacional.
Porém, o sistema democrático e o modelo republicano não admitem, nem podem tolerar, a existência de regimes de governo sem o correspondente respeito aos princípios fundamentais da separação e independência do Poder Judiciário e autonomia do Ministério Público, e é com base nesses princípios que as leis e demais normativos devem ser interpretados e aplicados; 2.
Não há, por parte das entidades de classe representativas dos Auditores de Controle Externo e Procuradores de Contas, assim como da sociedade civil, nenhum ataque ao instituto jurídico do acordo de leniência no âmbito da Representação.
E não se trata apenas de iniciativa da sociedade civil, os questionamentos foram acolhidos pelo membro do Ministério Público de Contas, que formulou e apresentou seu pedido de cautelar ao TCU, reafirmando com robustez os riscos para a ‘Operação Lavajato’; 3.
É importante destacar que o acordo de leniência previsto em uma lei que tem o propósito de combater a corrupção não pode e não deve ser usado como instrumento para "salvar" empresas acusadas de atos ilícitos praticados contra a administração pública.
O acordo de leniência é instrumento para ampliar os meios de investigação visando ao efetivo combate à corrupção, por isso a lei premia aquele que primeiro se manifesta e contribui, de fato, com informações úteis para esse combate, não podendo ser usado para "salvar" empresas.
Assim sendo, o órgão de controle interno do Poder Executivo da União não pode funcionar como "enfermaria" de empresas acusadas de fraudar o Estado, pois, se assim o for, abre-se caminho para a formação de verdadeiro "cartel de leniência", o que contraria os propósitos da Lei em questão; 4.
Para evitar desvios na aplicação da norma, as Associações defendem, sim, que o acordo de leniência previsto no artigo 16 da ‘Lei Anticorrupção’ seja celebrado, em primeira mão, pelo Ministério Público Federal (MPF) nos casos em que houver investigação cível ou criminal em curso, a exemplo da "Operação Lavajato’, de forma a garantir segurança jurídica aos acordos celebrados nessas instâncias de responsabilização cujas penas, na gradação, são mais gravosas.
Demonstra-se salutar, todavia, que, concluídas as etapas nas esferas cível e criminal, também sejam celebrados acordos na esfera administrativa, lembrando-se de que ao TCU compete, juntamente com o Judiciário, declarar empresas inidôneas na esfera de controle externo nos casos previstos na Lei nº 8.443, de 1992 (artigo 46); 5.
A celebração do acordo de leniência previsto na ‘Lei Anticorrupção’ não constitui monopólio da esfera administrativa para ter de ser celebrado às pressas, única e exclusivamente, no âmbito do Poder Executivo, já tendo sido formalizado em 2014 pelo MPF com empresas envolvidas na ‘Operação Lavajato’.
No documento, o MPF se compromete levar os termos do acordo celebrado na esfera cível a outros órgãos públicos, em especial à Controladoria-Geral da União (CGU), pleiteando a celebração de acordo semelhante na esfera administrativa.
Assume, no exercício de sua competência constitucional, o compromisso de não propor ao Poder Judiciário ações de natureza cível e criminal; 6.
Outro aspecto que merece esclarecimento é a declaração do Advogado-Geral da União ao site Consultor Jurídico (CONJUR) em 21/02/2015, no seguinte sentido: “oacordo de leniência é uma solução para uma penalização administrativa, não tem nenhuma função na área penal, não isenta o criminoso, não impede a produção de provas”, em que cita como exemplo os acordos celebrados no âmbito da autarquia de defesa econômica (CADE).
Sobre tal declaração, as entidades informam à população que o acordo mencionado tem, sim, considerável repercussão penal, com a extinção da punibilidade do crime de cartel por ato administrativo, o que, por consequência, impede o Ministério Público de oferecer denúncia na esfera penal, conforme dispõe a Lei nº 12.259, de 2011 (artigo 87, parágrafo único); 7.
No âmbito da ‘Lei Anticorrupção’, a celebração do acordo de leniência na esfera administrativa, que pode ser assinado pela Controladoria-Geral da União e pelos próprios gestores de órgãos/entidades subordinados aos Chefes dos Poderes Executivos dos Estados, do Distrito Federal e de mais de 5,5 mil Municípios, também tem repercussão considerável na esfera cível.
Uma vez celebrado o acordo administrativo antes da ação do Ministério Público, fica o Juiz impedido de aplicar a multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto das empresas na ação cível (artigo 20), assim como de proibi-las de receber benefícios fiscais e creditícios com dinheiro público (artigos 16, § 2º, e 19, IV), constituindo inaceitável usurpação de competência e violação do princípio fundamental da separação e independência do Poder Judiciário; 8.
Na prática, o dispositivo retira a competência do Juiz de proibir a empresa que condenar por ilícitos contra administração pública de realizar empréstimos vultosos oferecidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o qual, nos últimos seis anos, recebeu mais de R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional para subsidiar - a juros caridosos - as linhas de crédito oferecidas a empresas.
Apesar da natureza pública dos recursos, o BNDES tenta derrubar no Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão do TCU que determina o acesso às informações durante as fiscalizações que estão em curso, uma delas, inclusive, por Solicitação do Congresso Nacional (Mandado de Segurança STF nº 33.340); 9.
O quadro inspira cuidado e requer a atuação tempestiva do TCU para estabilizar os procedimentos a serem observados pelo órgão de controle interno que tem a missão constitucional de apoiar o controle externo (artigo 74, IV), cujos acordos não podem ser avalizados pela Corte de Contas em bases tão frágeis, sob pena de comprometer a segurança jurídica e inviabilizar a celebração futura de acordos de leniência e delações premiadas nas esferas cível e criminal, fragilizando esses importantes instrumentos que têm se demonstrado efetivos nas ações realizadas pelos órgãos de repressão à corrupção e à lavagem de dinheiro, como a Polícia Federal, o MPF e a Justiça Federal; 10.
Diante do exposto, as Associações signatárias desta Nota à Imprensa reafirmam a convicção no pedido formulado e acatado pelo Ministério Público Contas, na certeza de que a medida pleiteada é inadiável e essencial para a consolidação dos fundamentos que consagram o Estado Democrático de Direito inaugurado em 1988, traduzindo a vontade dos cidadãos brasileiros que apóiam as ações efetivas de defesa do patrimônio público e combate à corrupção.
Brasília, 22 de fevereiro de 2015.
MARCELO ROCHA DO AMARAL Presidente da AUD-TCU LUCIENI PEREIRA Presidente da ANTC DIOGO ROBERTO RINGENBERG Presidente da AMPCON FRANCISCO GIL CASTELLO BRANCO Secretário-Geral da Associação CONTAS ABERTAS Fonte: Comunicação ANTC