Dois procuradores do MPC-SP publicaram artigo em sites especializados, analisando a situação institucional do Ministério Público de Contas no país.
Veja o artigo: Que Ministério Público é esse? Por José Mendes Neto e Thiago Pinheiro Lima* Recentemente o apresentador do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, William Bonner, ao falar da operação Lava Jato, explicou a origem da seguinte frase, dita por um dos investigados: “que país é esse?”.
Segundo o Jornalista, apesar da repercussão no mundo artístico, por ter sido utilizada por Renato Russo em um clássico do rock brasileiro, esta frase foi originalmente idealizada pelo piauiense Francelino Pereira dos Santos , que, em 1976, durante o regime militar, diante da ausência de credibilidade da promessa feita pelo General Ernesto Geisel, indagou: “Que país é esse em que o povo não acredita no calendário eleitoral estabelecido pelo próprio presidente?”.
Influenciados por essa indagação, cabe-nos questionar: Que Ministério público é esse que oficia perante os Tribunais de Contas? Segundo o Ministro Celso de Mello, ainda em 1994, ao relatar a ADI n.º 789, trata-se de “órgão de extração constitucional” que se encontra organicamente consolidado na estrutura dos Tribunais de Contas.
Ocorre que essa configuração político institucional de atrelamento aos Tribunais de Contas, definida pelo Supremo Tribunal Federal, resultou, na prática, em um espaço de deturpação interpretativa operacionalizada, em muitos casos, por aqueles que não aceitam esses “Membros” denominados intrusos em suas Casas, ficando inconformados com a atuação funcional dos Procuradores, dotados de ampla independência no exercício da função constitucional de fiscal da lei perante as Cortes de Contas.
Foi por essa razão que o Ministro Néri da Silveira na mesma ADI 789 aduziu que “o órgão do MP, junto ao Tribunal de Contas, não está hierarquicamente subordinado ao Presidente da Corte, pois há de ter faixa de autonomia funcional, consoante é da natureza do ofício ministerial em referência, e, destarte, decorre da sua própria essência, como função de Ministério Público”.
Além disso, assinalou que “não cabe deixar de reconhecer que a independência funcional é ínsita à atividade do Ministério Público, e não se há de desfigurar, também, quando exercida junto ao Tribunal de Contas”.
Apesar da previsão expressa na Constituição de 1988, o Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo foi o último a ser criado no âmbito estadual, tendo o Tribunal de Contas relutado o máximo possível em concebê-lo.
Somente no ano de 2010 foi aprovada a Lei Complementar n.º 1.110 criando os cargos de Procuradores do Ministério Público, com o concurso sendo realizado em 2011 e a nomeação dos aprovados em 2012.
Após três anos de atuação perante a maior Corte de Contas Estadual do País, percebemos empiricamente a dificuldade de compreensão da função constitucional do Ministério Público que oficia perante o Tribunal de Contas.
O fato de organicamente estarmos na estrutura do Tribunal não nos torna subordinados ou algo semelhante.
Caso contrário, inexistiria órgão dotado de autonomia, porquanto todos (Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Ministério Público e Tribunal de Contas) estão na intimidade estrutural do Estado, ente público que detém personalidade jurídica, e nem por isso seus Membros estão vinculados ao Governador do Estado.
Essa questão novamente vem à tona em razão da arbitrariedade perpetrada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo contra os dois Membros do Ministério Público subscritores deste artigo.
Há pouco tempo o Tribunal de Contas tentou impedir o envio de ofício pelo MP de Contas aos órgãos competentes comunicando crimes e atos de improbidade que tomamos ciência no exercício da função.
Agora, conforme noticiado pelos diversos órgãos de imprensa, os Excelentíssimos Senhores Conselheiros deliberaram desrespeitar a vontade soberana e democrática da carreira para alterar a lista tríplice e excluir nossos nomes do documento posteriormente encaminhado ao Governador do Estado para fins de escolha do Procurador Geral do Ministério Público de Contas.
Chegou-nos a informação de que a nossa atuação funcional contra o auxílio moradia dos Membros do Ministério Público do Estado de São Paulo foi o motivo pelo qual nossos nomes foram retirados da lista tríplice a ser encaminhada ao Governador do Estado, apesar de figurarmos entre os mais votados, para fins de escolha do novo Procurador Geral.
Esta atitude abusiva, além de fragilizar o princípio democrático, viola a garantia constitucional da inamovibilidade, tendo em vista que os dois procuradores incluídos na lista pelo Tribunal sequer foram consultados se teriam interesse e quando tiveram ciência do ato, em atitude de hombridade e respeito à Instituição da qual fazem parte, renunciaram a indicação.
Em verdade, ao que parece, alguns componentes do Tribunal de Contas insatisfeitos com nossa atuação funcional neste e noutros casos, deliberaram desrespeitar a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADI n.º 1791, que assentou “em se tratando de investidura no cargo de Procurador-Geral, no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, ela há de observar, também, o disposto no § 3º do art.
128 c/c art.
130, competindo à própria instituição a formação de lista tríplice para a sua escolha, depois, por nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução”.
Não se nega que a Lei Complementar n.º 1110/10 atribui ao Tribunal a escolha dos Procuradores para compor a lista tríplice; ocorre que o próprio Tribunal, ao enviar projeto de Lei à Assembleia Legislativa propondo a alteração do dispositivo, reconheceu expressamente a prevalência do artigo 130 da Constituição da República, norma hierarquicamente superior, que menciona que a forma de investidura do Procurador Geral do MP de Contas deve observar as regras do fixadas pela Carta da República para escolha do Procurador Geral de Justiça.
Em suma, para que exista faticamente um Ministério Público com atuação independente na garantia do interesse coletivo, é premente a necessidade de o Supremo Tribunal Federal delinear com mais precisão os contornos dessa relação institucional entre os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos que neles oficiam, sob pena de autorizar pela via interpretativa o aniquilamento da vontade constitucional de estabelecer um órgão eminentemente técnico com a função de representante da sociedade e fiscal da lei junto a esses órgãos compostos, na maioria, por Conselheiros oriundos da classe política, incumbidos de controlar toda a Administração Pública, evitando-se abusos como os noticiados no presente artigo.
Com a palavra o Supremo Tribunal Federal para responder a indagação: que Ministério Público é esse? * Jose Mendes Neto é procurador do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.
Thiago Pinheiro Lima é procurador do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.
FONTE: os autores