O Ministério Público de Contas de Santa Catarina (MPC-SC) investiga gastos de viagens internacionais feitas por oito deputados estaduais e dois servidores, que teriam custado aos cofres públicos mais de R$ 300 mil entre 2014 e 2015.
Foi o que mostrou a reportagem exibida nesta quinta-feira (3) no Jornal do Almoço (veja vídeo acima).
A apuração começou há nove meses.
Entre os questionamenos estão os gastos excessivos e a falta de interesse público das viagens.
Segundo as representações a que a RBS TV teve acesso, a procuradora Cibelly Caleffi apontou irregularidades em procedimentos de cinco viagens, entre novembro do ano passado e maio desse ano.
Os destinos foram Estados Unidos, França, Itália, Alemanha e China.
Para a procuradora, alguns problemas se repetiram nas cinco viagens.
"Nós não conseguimos identificar uma correlação entre a atividade e o objetivo das viagens, tão pouco uma finalidade pública", disse Cibelly.
Ela afirma que é preciso avaliar a relação custo-benefício em relação aos gastos dessa viagem - em outras palavras, "se o objetivo dela não poderia ter sido atingido de uma forma menos onerosa, sem a presença do parlamentar".
Os deputados Kennedy Nunes, do PSD, Ana Paula Lima, do PT, e Aldo Schneider, do PMDB, foram para um seminário de administração tributária na Alemanha, em maio.
A viagem dos três deputados foi autorizada pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina.
O evento aconteceu nos dias 11 e 12, mas os deputados dizem que nos dias seguintes participaram de visitas técnicas, ligadas ao seminário.
Kennedy Nunes foi pra Alemanha dia 9 e voltou dia 17.
Ana Paula Lima foi antes, no dia 8 e retornou quase duas semanas depois.
Entre passagens e diárias dos dois parlamentares, foram gastos mais de R$ 53 mil.
A deputada Ana Paula Lima disse, em nota enviada para a RBS TV, que a viagem dela para a Alemanha teve como objetivo enriquecer as discussões sobre o sistema tributário brasileiro e, principalmente, no combate à sonegação fiscal e que, por isso, teve finalidade pública.
A nota diz ainda que a deputada não foi oficialmente notificada sobre o assunto e não teve acesso à investigação.
Sobre o tempo de permanência dela fora do Brasil, ela não se posicionou.
O deputado Kenedy Nunes disse, também em nota enviada à RBS TV, que, como membro da comissão de finanças e tributação da Assembléia, sua viagem para Alemanha foi importante.
As visitas técnicas, segundo ele, serviram para complementar as discussões do seminário que ele participou.
Sobre o período da viagem, ele disse que não ficou um dia a mais sequer além do previsto.
Já o deputado Aldo Schneider deixou o país no dia 15 de maio, quando já havia terminado o evento.
Ele argumenta que teve que substituir o presidente da Alesc, Gelson Merísio, no período da viagem.
Por esse motivo, teve que adiar a partida.
O deputado ficou na Europa de 15 a 22 de maio, mas os únicos registros da viagem foram do dia 18 em Munique, garante a procuradora.
O parlamentar recebeu mais de R$ 9 mil em diárias e gastou quase R$ 30 mil em passagens.
No relatório de viagem, o deputado avaliou toda a programação do evento e citou as visitas feitas em Berlim e Hamburgo, segundo o Ministério Público de Contas.
Mas todos esses momentos citados pelo deputado aconteceram enquanto ele ainda estava em Florianópolis participando de sessões na Assembléia Legislativa.
"Naquele dia que estava agendado que fôssemos, houve necessidade da ausência de o presidente Merísio se deslocar para fora do país e eu assumi a presidência interinamente.
Em função disso que eu só peguei a segunda fase dessa missão", argumenta o deputado Aldo.
Mas para a procuradora Cibelly, a justificativa não era válida pois o argumento dele para para sair do Brasil era o evento, mas o seminário já havia terminado quando o deputado viajou.
Também em maio, a Assembléia Legislativa autorizou o embarque do deputado José Nei Ascari, do PSD, com a comitiva que foi a Paris, na França.
Eles foram receber um certificado de zona livre de peste suína clássica, para Santa Catarina.
A viagem de Ascari durou oito dias e custou mais de R$ 40 mil.
Para a procuradora Cibelly, a questão é que o motivo da viagem não tem identificação com a atividade do parlamentar.
Já o deputado Ascari, que é presidente da Frente Parlamentar da Suinocultura, disse em nota que viajou a Paris junto com uma comitiva oficial para participar da Assembléia Anual da Organização Mundial de Saúde Animal.
Ele ainda afirmou que a participação dele ficou restrita ao evento.
A viagem mais cara aconteceu no fim do ano passado.
Os ex-deputados Joares Ponticelli, do PP, e Nilson Gonçalves, do PSDB, foram com dois servidores pra uma mostra de sorvetes artesanais, na Itália.
O custo da viagem de 10 dias, com passagens e diárias, chegou a quase R$ 120 mil.
O Ministério Público de Contas concluiu que não houve um resultado efetivo dessa viagem, diz a procuradora.
"Houve sim um protocolo de intenções firmado entre aquela região na Itália e uma universidade do Sul do estado", afirma.
O ex-deputado Joares Ponticelli falou à RBS TV e garantiu que houve resultados práticos da viagem.
"A representação de Santa Catarina naquele evento, a prospecção de negócios, de oportunidades, as alternativas que podem surgir a partir desse interesse que eles têm de investimentos aqui no estado".
O ex-deputado Nilson Gonçalves não foi encontrado pra falar sobre o assunto nem respondeu ao email enviado pela produção de jornalismo da RBS TV.
Em março, o deputado Patrício Destro, do PSB, viajou para Miami, nos Estados Unidos, também com autorização da Alesc.
Ele foi participar da maior feira de cruzeiros marítimos do mundo.
O parlamentar foi acompanhar representantes de prefeituras de São Francisco do Sul, Itajaí e Porto Belo.
Os gastos com essas viagens passaram de R$ 20 mil.
A procuradora do Ministério Público de Contas diz que o relatório de despesas desta viagem foi superficial.
"Nesse caso foi apresentado um relatório resumido né, justificando a presença do parlamentar.
E na verdade esse relatório não esclareceu exatamente qual o motivo da presença do deputado naquela feira.
Não se identificou nenhum motivo que tivesse relação com as atividades dele aqui", conclui.
O deputado Patrício Destro disse em nota à RBS TV que, como presidente da frente parlamentar dos portos, a ida dele para os Estados Unidos foi imprescindível para atrair cruzeiros marítimos para o estado.
Ele também afirmou que não teve acesso à investigação do Ministério Público de Contas e que está disponível para prestar todos os esclarecimentos.
O deputado Gabriel Ribeiro, do PSD, esteve na China em maio para negociar com uma empresa de caminhões que pretende investir em Lages, sua base eleitoral.
A autorização para a viagem foi dada para o dia 24 de maio, mas ele antecipou o embarque em um dia e viajou sem permissão.
A alteração só foi confirmada pela Assembléia Legislativa quando o deputado já estava de volta a Florianópolis.
Segundo a procuradora, existe uma ilegalidade nesse procedimento.
"E a outra questão era o próprio motivo da viagem, né? Era uma reunião com uma empresa privada na China que pretendia, em tese, se instalar aqui na região do Planalto, e também não se identificou um motivo concreto pra presença do deputado naquela ocasião".
A procuradora entende que esse tipo de negociação cabe ao executivo.
Mas os gastos com a viagem do deputado passaram dos R$ 30 mil.
O deputado Gabriel disse à reportagem da RBS TV que a presença dele na China era muito importante.
"Eu participei de todas as negociações da Sinutruck desde o início do processo, como falei, como secretário regional.
Depois que me ausentei da secretaria regional continuei participando das negociações.
E agora não poderia deixar de participar como parlamentar e representante da região Serrana", afirmou.
Para a procuradora Cibelly Caleffi, as cinco viagens eram dispensáveis.
"A partir do momento em que não existe uma comprovação concreta da finalidade pública, de um resultado que tenha trazido um benefício para a sociedade, ou da correlação da viagem com a atividade parlamentar, não se pode dizer que essa despesa é uma despesa legítima.
Nesses casos eram viagens legítimas? Do nosso ponto de vista eram viagens dispensáveis que não trouxeram efetivamente um resultado benefico pra sociedade".
Para o Ministério Público de Contas do Estado, as responsabilidades por essas irregularidades apontadas pelo órgão são tanto do presidente da mesa da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, que concedeu as diárias, quanto do deputado estadual beneficiado.
E, na visão da procuradora, "isso precisa ser corrigido".
O Ministério Público de Contas encaminhou as representações ao Tribunal de Contas do Estado, que deve agora ouvir as partes envolvidas.
A assessoria da Assembléia Legislativa informou para a RBS TV que recebeu os questionamentos da procuradora e respondeu.
A nota ressalta que como se trata de pedidos de informações, acha injusta a exposição pública dos envolvidos.
Ainda de acordo com a Alesc, a atividade de um parlamentar não se restringe às ações dentro da Assembléia Legislativa.
Segundo a Casa, as viagens foram pertinentes porque todas se tratavam de acompanhamento de missões oficiais.
FONTE: G1