Entrevista com Julio Marcelo de Oliveira: "No Brasil, a tendência é de esculhambação’

Para procurador, empresas fazem lances ‘aventureiros’ contando com revisões posteriores nos contratos.

Por suas posições contrárias a alterações de contrato de concessão de rodovias federais, o representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, passou a ser apontado por empresas e governo como “algoz” das alternativas para solucionar problemas das concessões.

Ao Estado, ele diz que seu papel é garantir o cumprimento dos acordos.

O que, na sua visão, não tem sido usual no Brasil e na América Latina, onde “a tendência é a esculhambação”.

Para Oliveira, as empresas fazem lances aventureiros nos leilões com a meta de “ajeitar” a situação com aditivos contratuais.

Algo que, em sua avaliação, passa a impressão de que “o Brasil não é um país sério”.

O procurador ficou conhecido por elaborar o parecer sobre as pedaladas fiscais no governo de Dilma Rousseff, base para o processo de impeachment.

Qual sua visão sobre mudanças em contratos de concessão? Um bom contrato de concessão deve ser cumprido.

As empresas estão o tempo todo pleiteando alterações para melhorar sua rentabilidade, diminuir ônus e adiar investimentos.

Isso mostra uma cultura de não cumprir contratos.

Isso passa à sociedade a mensagem de que o Brasil não é um país sério.

Por que há espaço para tantos pedidos? As empresas jogam o preço lá embaixo ou, se for outorga, jogam o pagamento lá para cima na expectativa de que isso vai posteriormente ser compensado com alterações contratuais.

Isso não é sério.

A gente quer que o programa de concessões seja feito de maneira correta, de acordo com as cláusulas contratuais pactuadas.

Os mecanismos de flexibilidade nos contratos de longa duração têm de estar previstos e precificados.

Quando as condições do contrato estão bem desenhadas, não tem por que a toda hora as concessionárias pleitearem alterações.

Quer dizer que os contratos foram malfeitos? Eles (as empresas) é que dizem.

Acho que as propostas são feitas de maneira aventureira.

E aí eles querem uma flexibilidade que não existe no mundo.

Dizem que todo lugar é assim.

Mas não é, pelo menos no mundo desenvolvido.

Na América Latina, pode ser.

Porque na América Latina, como o Brasil, a tendência é a esculhambação.

Mas na Europa e nos Estados Unidos vale o contrato.

Não é obrigação do poder público garantir lucratividade da empresa.

Não queremos que nenhuma empresa vá à falência, mas é inegável que ela tem de correr risco.

E quando o governo entende que a alteração é de interesse da sociedade, como no caso da Transbrasiliana? Falei da diretriz geral.

Se o contrato foi mal desenhado e tem uma obra absolutamente necessária, tenho de estar aberto a fazer uma análise da situação.

Mas o que tem ocorrido é que as concessionárias trocam obras previstas por outras mais caras e encarecem o contrato, justificando aumentos de tarifas.

O sr.

acha que a ANTT tem uma atuação débil? Sim.

O que se diz é que, na primeira rodada de concessões, os contratos não eram de concessão, e sim de obras remuneradas por tarifa, porque previam detalhadamente obras e custos.

Decidiram passar para um outro modelo em que a obra ocorre quando a demanda atinge um determinado nível.

Só que a ANTT não monitora o tráfego.

Ela se alimenta de informações das concessionárias.

Fonte site Estadão.