A discussão sobre o futuro dos Tribunais de Contas do Brasil é fundamental para a construção de uma administração púbica mais eficiente, para o desenvolvimento das nossas instituições, combate efetivo à corrupção e fortalecimento do controle externo do poder legislativo sobre a execução dos orçamentos.
Recentemente, operação da Polícia Federal prendeu o presidente e 4 conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
As medidas ocorreram por suspeitas diversas.
E, para além deste, outros casos foram noticiados recentemente.
Todos a evidenciar preocupante captura política e econômica das atividades de quem tem por ofício constitucional justamente zelar pela fiscalização do patrimônio público nos Três Poderes da República.
A Constituição Federal de 1988 deu ao TCU (Tribunal de Contas da União) e aos TCEs (Tribunais de Contas dos Estados) a competência de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos atos administrativos dos governos federal, estadual e municipal respectivamente.
O modelo, no entanto, está esgotado e precisa ser reformulado com urgência premente.
O funcionamento ágil e com respostas qualificadas de um órgão com competência para fiscalização prévia, concomitante e posterior à realização do orçamento e respectivas despesas é uma garantia republicana do dever de permanente apuração das responsabilidades por todos aqueles que tenham poderes de gestão sobre recursos, despesas e toda a atividade financeira do Estado.
Atualmente, decisões desses tribunais, por serem órgãos colegiados com funções jurisdicionais especiais, podem gerar inelegibilidade do gestor por até 8 anos, determinar o afastamento de autoridades de seus cargos, declarar empresas inidôneas para contratar com a administração pública por até 5 anos, aplicar cobranças de multas, exigir o ressarcimento de danos causados ao erário, anular admissões e concessões de aposentadorias e pensões ou declarar bens indisponíveis dos culpados.
Os Tribunais de Contas, é fato, têm suas qualidades.
São entidades bem estruturadas, com autonomia financeira e administrativa, seus ministros ou conselheiros possuem salários equiparados aos dos ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e desembargadores dos Tribunais de Justiça, respectivamente, além de todas as garantias e prerrogativas da magistratura nacional.
Afora isso, são dotados de corpos técnicos altamente qualificados, como os auditores, os substitutos e os membros do Ministério Público de Contas.
Por isso, a reforma deve igualmente respeitar esse patrimônio de virtudes.
Diante deste cenário, entidades de classe e da sociedade civil organizada envolvidas com o tema debateram “A Reforma dos Tribunais de Conta e a Criação de um novo Modelo de Controle Externo para o Brasil”, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), em evento promovido pelo Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário, na noite de 2ª feira, 29 de maio de 2017, sob nossa coordenação.
Na ocasião foram discutidas as PECs (proposta de emenda constitucional) 329 de 2013, 40 de 2016, 2 de 2017, 28 de 2007 e 30 de 2007 com finalidade de tentar encontrar uma pauta de consenso para busca de rápida composição para definir os pontos fundamentais para a reforma dos Tribunais de Contas.
O Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, Presidente da AMPCON (Associação Nacional do Ministério Público de Contas), abriu as discussões apontando que dos 9 ministros que formam o Tribunal de Contas da União, 7 são indicações políticas e 2 de carreira.
Nos Estados, dos 7 membros, apenas 2 são indicados de carreira.
Segundo sua opinião: “Os indicados geralmente são de confiança de governadores, presidentes das Assembleias Legislativas, ou seja, pertencentes aos mesmos grupos políticos.
Não se trata de demonização da política e santificação do quadro técnico, mas quando se desenha modelos políticos precisa se pensar em formas de evitar a captura do órgão.
A PEC 329 de 2013, que ajudamos a desenhar, põe fim a indicações políticas”.
Ao mais, sua tese de autonomia do Ministério Público de Contas foi também defendida por todos os presentes.
Lucieni Pereira, presidente da AUD-TCU (Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União) e Diretora da ANTC (Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil), evidenciou as muitas dificuldades do trabalho do auditor de controle externo.
Defendeu, por sua vez, um código nacional de processos de Controle Externo, a ser observado pelos 34 Tribunais de Contas do país, o que está previsto na PEC 40 de 2016, assim como a regulamentação dos critérios de indicação e escolha dos ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas por meio de lei orgânica nacional.
Defende uma lei orgânica para definir um padrão mínimo nacional de organização e funcionamento do órgão de auditoria de controle externo.
O Conselheiro Valdecir Pascoal, Presidente da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) pediu uma reforma “ousada e equilibrada”, mas que preserve os avanços conquistados desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
“Todos queremos o aprimoramento dos Tribunais de Contas com Colegiados, Auditorias e Ministério Público de Contas fortes.
Esta é uma causa coletiva, sem heróis”.
Defendeu a definição de uma Lei Processual de Contas.
“É preciso uma padronização do processo de controle externo”, afirmou.
O Presidente da Atricon criticou a proposta de vinculação dos tribunais de contas ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça): “Essa ideia constitui uma afronta ao princípio constitucional da autonomia e separação dos poderes, já que os TC não fazem parte do Poder Judiciário”, explicou, para defender a criação de um Conselho Nacional específico com atribuição de responsabilizar os seus membros por irregularidades e desvios éticos.
Admite um redesenho dos colegiados para maior parte dos assentos aos membros oriundos das carreiras técnicas, com fim das indicações livres do chefe do Executivo e a redução das indicações do Legislativo.
Numa síntese, como ficou patente nos debates, os representantes das principais carreiras dos Tribunais de Contas defendem teses que podem perfeitamente ser acomodadas e aprimoradas no debate democrático do Congresso Nacional.
Pessoalmente, acredito na necessidade de um código processual de contas, bem como numa lei orgânica que crie padrões comuns de organização dos tribunais de contas.
Na composição dos membros dos tribunais, o fim ou severa redução das indicações políticas é um imperativo que se impõe.
E justifica-se claramente a existência de órgão de controle sobre a atuação e conduta ética dos seus membros, com poderes de corregedoria e papel disciplinar.
Como se vê, a sociedade não pode ficar de fora deste debate fundamental.
Site Poder 360