*Artigo produzido por Ruy Marcelo
Parafraseando o eminente jurista Ronald Dworkin, convidamos o leitor a analisar, em breve síntese, as razões pelas quais, em tese, as medidas de governança, por sistemas e programas internos de integridade, de gerenciamento de riscos e compliance, revelam-se de implementação obrigatória, não apenas no âmbito empresarial corporativo (pelas práticas ESG), mas também no bojo do Controle Interno da Administração Pública Brasileira, em todos os seus níveis e seguimentos, independentemente de lei nova que enuncie gramaticalmente tal obrigatoriedade jurídica.
A tríade "governança, integridade e compliance" importa na estruturação de mecanismos, valores, procedimentos e sistemas, a fim de garantir ao máximo que prevaleçam a legalidade, a ética e os bons resultados administrativos, por meio de politica de prevenção e precaução aos riscos de ocorrências de ilicitudes, corrupção, improbidade, desperdício, danos, má qualidade de operações e de resultados, bem como a falta de sustentabilidade institucional. É a antítese da organização e gerenciamento administrativos focados apenas na exação das formas e na repressão e correção de rumos posteriormente à consumação das faltas.
Enquanto institutos hoje em dia plenamente consagrados e reconhecidos pelas Ciências da Administração, como fundamentais à boa gestão, a obrigatoriedade dessa governança está inegavelmente alicerçada na força normativa e vinculante dos princípios constitucionais da Administração Pública (art. 37), mormente, o princípio da Eficiência. Ora, os princípios jurídicos são mandamentos normativos de otimização dos valores neles expressos; donde, todas as providências essenciais, inclusive as de caráter preventivo e precautório, no sentido de assegurar e prover o valor da eficiência administrativa, devem ser consideradas prescrições de aplicação imperativa, bastando, para tanto, mero ato regulamentar infralegal que lhes conceda publicidade e segurança jurídica.
Supõem alguns que, como não há lei geral que proclame expressamente o dever do gestor público organizar sua atividade de controle interno com tais instrumentos, a medida dependeria de projeto legislativo e reserva legal, reservado ao futuro na maioria dos entes federados. Ledo engano vez que a exigibilidade desses mecanismos se encontra ancorada nos princípios constitucionais de Administração Pública, dotados de autoaplicabilidade. Nessa linha de pensamento, não se pode esquecer, dentre outros, a proibição de nepotismo, sustentada pelo STF, por meio da Súmula Vinculante 13, como decorrência lógica e autoaplicável do princípio constitucional da Moralidade Administrativa. Assim, com as devidas diferenciações, o mesmo raciocínio possibilita o reconhecimento dos institutos de eficiência administrativa como elemento de legitimidade da atuação estatal, sob pena de se perpetuar a gestão pública invigilante, improdutiva e vulnerável aos atos de malversação.
Seguindo essa ordem de ideias, temos bons exemplos. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça CNJ 410, de 23/08/2021, é um deles. Independentemente de lei específica e prévia, o ato colegiado regulamenta, para o Judiciário, a instituição de sistemas de integridade e compliance. Para tanto, evoca, em sua motivação, a integridade como "pedra angular do sistema geral de boa governança e um dos pilares das estruturas políticas, econômicas e sociais e, portanto, essencial ao bem-estar econômico e social e à prosperidade dos indivíduos e das sociedades como um todo e vital para a governança pública, salvaguardando o interesse público e reforçando valores fundamentais como o compromisso com uma democracia pluralista baseada no estado de direito e no respeito dos direitos humanos".
No campo do Poder Executivo Federal, em harmonia com esses preceitos, encontramos o Decreto n. 10.756, de 27 de julho de 2021, que institui o Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal - Sipef, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, dividido em órgão central (Controladoria Geral da União) e unidades setoriais sob orientação normativa e supervisão técnica daquele primeiro.
No Rio Grande do Sul, temos o Decreto 56.237, de 7 de dezembro de 2021, que institui o sistema e a política de governança, gestão e integridade no Poder Executivo do Estado. Nesse ato, distinguem-se as governanças interna e externa, esta última para especialmente para garantia de participação e de integração da sociedade civil na agenda do Estado em temas de relevância.
Em Minas Gerais, divisamos o Decreto 48.419, de 16 de maio de 2022, que dispõe sobre a Política Mineira de Promoção da Integridade PMPI.
Em semelhante sentido, temos também a novíssima Resolução 02/2022, de 22 de junho de 2022, do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, que prevê o emprego da metodologia de gestão de riscos conforme a norma ABNT ISO 31000:2018 e demais aplicáveis. A norma impõe, ainda, de modo especial, a aplicação de procedimentos de due diligence (diligências prévias de integridade) quanto ao gerenciamento dos contratos do órgão.
Convém aclarar que os casos aludidos e o posicionamento aqui evidenciado não se limitam à regulamentação da lei anticorrupção, que exige especificamente sistemas de integridade para o gerenciamento das licitações e dos contratos administrativos no contexto das estatais. Referimo-nos à obrigatoriedade dos sistemas de integridade e compliance para reger o funcionamento interno e geral da Administração Pública, como fizeram o CNJ e o TCE/AM, doravante como parte integrante dos arranjos de Controle Interno da Administração Pública. Por uma questão de princípio.
Dito isso, ao finalizar estas breves anotações, podemos parafrasear, desta feita, os pais da igreja, para resumir, inevitavelmente, que fora do compliance administrativo não há eficiência na Administração Pública.
*Ruy Marcelo, procurador do Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA)